Foi numa cabina telefónica do sul da Turquia que recebeu a notícia da distinção. Paulo José Miranda, o primeiro vencedor do Prémio José Saramago, viveu tantos anos fora de Portugal que é, ainda hoje, para muita gente, um autor a descobrir. Com o dinheiro do prémio ofereceu uma câmara de filmar que veio a dar origem a outros prémios, um deles no festival Indie Lisboa. Sente-se mais leitor que escritor e é à filosofia que recorre para alargar as fronteiras do seu desconhecimento. Foi a ligação à música que o fez escrever o romance premiado.
As tatuagens e os piercings tornaram-se imagem de marca de um escritor que prefere, no entanto, ser reconhecido por ter ganho o Prémio José Saramago. Foi, aliás, o mais jovem autor a recebê-lo e com esse reconhecimento pôs Galveias, a pequena vila alentejana onde nasceu, no mapa da literatura portuguesa. É por esse território de afectos, onde até existe uma rua com o seu nome, que José Luís Peixoto nos conduz. Visitamos a serração do pai, vemo-lo regressar a um ensaio da banda filarmónica e percebemos como a mãe foi determinante para o tornar um contador de histórias.
Vive há mais de uma década no Estados Unidos, mas regressou ao Rio de Janeiro para revisitar, na série Herdeiros de Saramago, os locais onde se fez escritora. Com a memória por cicerone, Adriana Lisboa reencontra velhos amigos e volta ao samba, ao chorinho e ao instrumento com que fez os estudos superiores de música: a flauta. Mas é no mar, no seu mistério profundo, que permanece a mais intensa identificação com a cidade onde cresceu. O pôr-do-sol na Pedra do Arpoador continua lindo.
Dividiu-se na adolescência, em Aveiro, entre o futebol e a matemática. Interessa-lhe o cruzamento entre o concreto e o abstracto - é por isso que diz que gosta de uma ideia em que se possa sentar. Levada ao palco, a obra de Gonçalo M. Tavares pode tornar-se uma performance, uma ópera ou uma canção. É caleidoscópica e fragmentária, na definição de Alberto Manguel. O autor de Uma História da Leitura di-lo ao autor de Jeerusalém durante o encontro afectuoso entre ambos na extraordinária biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, a que Saramago deu uma mitologia própria.
Assegura que tudo nele propende para o ajudar a encontrar palavras. Mesmo quando o ouvimos cantar ou quando o vemos desenhar, é o escritor e a sua cobiça de experiências que toma conta da ocorrência. No intervalo das viagens pelo mundo, Valter Hugo Mãe cozinha um caril para D. Antónia, presença central até no próprio pseudónimo que escolheu. Continua a frequentar, todas as noites, o mesmo café de Vila do Conde, onde as notícias da terra têm mais força que as inquietações literárias. E, apesar de viver numa cidade de pescadores, não esconde o medo do mar.
Pedala por Lisboa ao encontro das primeiras histórias que escreveu. Visitar a casa da infância onde nunca mais se regressou é uma viagem no tempo. João Tordo cresceu rodeado de mulheres. É ainda entre mulheres que se guardam os papéis da infância do escritor; documentos do tempo em que a ausência da figura paterna lhe moldou a personalidade e lhe deu o mote para muitas das personagens dos seus romances. Com a irmã gémea partilha cumplicidades, picardias, fotografias e uma canção antiga onde ambos são protagonistas.
Divide-se entre a umbanda, o recolhimento de uma igreja católica e o botequim boémio onde se reúne regularmente com um grupo de outros escritores paulistas. Os primeiros textos publicados por Andrea del Fuego eram respostas a dúvidas sexuais dos leitores de uma revista. Foi aí que nasceu o pseudónimo com que assina. Chegou a ser médium num centro espírita, antes de se dedicar ao estudo da Filosofia. Descobriu assim que não há um chão sólido para nenhuma experiência humana e encontrou na literatura o território da imaginação.
Reclama para si o direito de inventar as suas próprias memórias. Vai buscar à infância o combustível afectivo das histórias que conta. Luanda é personagem central nos livros de Ondjaki e o teatro do absurdo da capital angolana é fonte inesgotável de energia, mesmo no meio das mais dramáticas dificuldades. Na "estiga", simultaneamente brinquedo e arma, reside o segredo do poder da palavra, que as crianças de Luanda descobrem na infância. Com Ondjaki vamos aprender a "estigar".
Cresceu num bairro social onde faltava quase tudo, mas onde a certa altura surgiu uma biblioteca. Às histórias da Bíblia acrescentou novas páginas e personagens que lhe permitiram sair do bairro nunca se tendo afastado dele. Bruno Vieira Amaral escreve sobre o seu lugar de origem, transfigurando-o literariamente sem subserviência nem sentimentalismo: o Vale da Amoreira deu lugar ao Bairro Amélia. E foi lá que aprendeu a transformar o ressentimento numa ferramenta de trabalho, aproveitando-o como combustível para a escrita.
Os pais, psicanalistas, fugiram da ditadura Argentina. Julián Fuks cresceu em São Paulo entre dois idiomas e familiarizado com a necessidade de descodificar permanentemente o subtexto da realidade, deitando-a no divã. Confessa-se cansado da ficção e é à realidade que vai buscar a matéria-prima para sua escrita. Seja a realidade colectiva, acompanhando os sem-tecto ocupando prédios devolutos, seja a realidade familiar, com o irmão adoptado que ainda não leu o livro em que o tornou personagem. Porque tudo o que é pessoal é político.
Soube desde cedo que queria ser escritor. Na escola secundária, apresentou-se à professora de português, que viria a prefaciar-lhe o primeiro livro, dizendo ser poeta. Afonso Reis Cabral trocou entretanto as primeiras tentativas líricas, por uma escrita ficcional onde nem tudo é apenas imaginação. Os dois romances que publicou partem de casos reais transformando-os e reinventando-os: a relação com um irmão com síndrome de Down e o caso Gisberta, que sobressaltou o país em meados dos anos 90. Foi essa atenção ao mundo que o levou recentemente a percorrer o país a pé e que o fez viajar de camião, à boleia, no princípio da adolescência.